Os recentes escândalos de corrupção trazidos a público no Brasil têm acendido um alerta no meio empresarial. Para coibir qualquer prática fraudulenta e identificar atos ilegais por parte de funcionários e quadro diretivo, diversas corporações estão investindo de forma pesada em programas de compliance. O ramo está em franco desenvolvimento no País, seja pela necessidade de adequação à Lei Anticorrupção - que entrou em vigor somente em 2014 - ou pela diminuição dos prejuízos. Para a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Mariana Pargendler, a tendência é a governança aparecer como uma grande promessa em tempos de crise.
Passada a crise, no entanto, a governança continua como resposta, até porque a ameaça de punições é um incentivo para a adoção de medidas de integridade. No caso das estatais, ela disse que é importante ter uma lei própria para essas companhias, mas que a recente legislação aprovada no Brasil ainda é tímida. "Há uma grande ambiguidade em relação aos conselheiros independentes na Lei das Estatais, pois não fica claro como garantir essa independência", pondera Mariana.
Atualmente, empresas de pequeno e médio portes também estão atentas para os crimes que destroem o patrimônio e ameaçam a sobrevivência do negócio. "De acordo com o segmento que uma empresa atua, o seu porte e tipos de operações com as quais interage, ela estará exposta a diferentes riscos. É preciso minimizá-los ao máximo implementando um programa de compliance (conformidade, em tradução livre), que auxilia o empresário a gerenciar essas ameaças, contribuindo para a sustentabilidade do negócio", explica Nalu Biasus, coordenadora da área de compliance do escritório Souto Correa.
A prática danosa de ignorar ou passar por cima da legislação e das normas éticas e de conduta está inserida em todos os setores de uma empresa, não somente nas áreas contábil e fiscal. O compliance, explica Nalu, "pode ser usado para adequar a área trabalhista de uma empresa na implantação de um canal de denúncia, para que o colaborador tenha liberdade de comunicar casos de assédio moral". O investimento é mais complexo e necessário ainda em empresas que atuem no exterior. Em muitos países, a legislação que regula as sociedades anônimas e demais tipos de companhias é mais rígida que a brasileira, o que compromete as auditorias e, principalmente, a aprovação de contas.
Há determinados setores da indústria, no entanto, que devem ter cuidado redobrado para cumprir as normas e leis exigidas no exterior, especialmente em países desenvolvidos. "As organizações da indústria automobilística, por exemplo, quando exportam precisam se adaptar a regras de segurança muito mais complexas que as nossas. Em um mercado competitivo como os Estados Unidos ou a Europa, um pequeno problema pode trazer consequências devastadoras", afirma Nalu.
Para o coordenador do MBA de Gestão de Riscos e Compliance da Trevisan Escola de Negócios, Renato Santos, a efetividade de um programa de compliance depende muito do nível de engajamento da liderança. "Quem burla as regras não o faz de forma completamente isolada, sem nenhuma influência do meio. A efetividade do programa depende muito do exemplo dado pela alta gestão e de que forma a impunidade é combatida internamente", explica Santos, que avaliou 10 empresas brasileiras envolvidas em casos de corrupção.
O profissional adverte quais os principais prejuízos causados às empresas para quem não segue à risca a legislação. "De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 42% dos brasileiros já afirmaram ter sofrido algum tipo de assédio. Dá para se deduzir que boa parte deles irão entrar com uma ação trabalhista. Além da perda financeira, existem as perdas na questão de imagem e do clima organizacional, que são algo que não dá para mensurar, sem falar nos efeitos negativos no mercado financeiro", avalia Santos.
O sócio líder da área de Investigação de Fraude e Suporte a Litígio da Ernst & Young no Brasil, José Compagno, acredita que o nível de corrupção no País após a aprovação de novas leis, como a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em 2014, e também depois da Operação Lava Jato, certamente cairá. "Não tenho ilusão de imaginar que viraremos uma Finlândia, uma Dinamarca, mas sairemos dessa situação com um nível de corrupção muito diferente do que entramos e com um protocolo de relações público-privadas com outras percepções", comenta.
Compagno considera transformador o atual momento pelo qual o Brasil, o que seria inimaginável há três ou quatro anos. "Nós estamos passando por uma compliance storm. A quantidade de exemplos e lições aprendidos com a Lava Jato traz impactos significativos para as corporações", afirma. O especialista diz que a área forense da EY no Brasil conta com quase 300 funcionários e que o volume de operações de compliance nas empresas nacionais atualmente é "explosivo". Ele aponta que muitas empresas foram utilizadas como veículos de pagamento de propina e que, após esses casos virem à tona, centenas de grandes corporações estão olhando suas estruturas e processos internos tentando identificar se eventualmente houve pagamento para essas empresas problemáticas.
Pentágono da fraude traça mapa da vulnerabilidade e aponta alternativas
Uma das questões que inquietam profissionais de áreas como a jurídica, compliance, auditoria e gestão de pessoas é entender o que influi na decisão do indivíduo ao cometer fraude nas organizações para, assim, possibilitar a intervenção. Para tentar compreender esse mecanismo, Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, desenvolveu, em sua tese de doutorado em Administração, na PUC-SP, o Pentágono da fraude, metodologia que tem como bases o Triângulo da Fraude e o Diamante da Fraude. Em sua proposta, Santos adiciona ao desenho o vértice disposição de riscos.
A pesquisa analisou 589 citações de fraudadores confessos com o objetivo de identificar estratégias que possam gerar efeitos dissuasórios, ou seja, capazes de dissuadir, fazer com que alguém mude de opinião ou desista de alguma coisa. "A percepção do risco e de sua disposição em assumi-lo no ato decisório da fraude é um elemento preditivo fundamental nesta metodologia", explica Santos.
O estudo de casos múltiplos em 10 empresas privadas brasileiras de todos os portes ocorreu no período de novembro de 2014 a outubro de 2015, 30% delas com receita operacional bruta de R$ 301 milhões a R$ 1 bilhão, 40% com mais de 5 mil funcionários, 34% com mais de 11 anos de tempo de organização. De acordo com a pesquisa, 47% das fraudes ocorreram no período de seis a 12 meses.
Com base nessa mostra, Santos buscou por elementos repetitivos para identificar os motivos da fraude. "Identificamos padrões nas falas de fraudadores confessos sobre as causas que os levaram a cometer tais atos", conta ele, ao destacar que a análise incluiu 3.200 horas em 15 entrevistas e revelou diferenças individuais quanto aos elementos motivadores.
"O risco perigo está associado ao medo das consequências do ato fraudulento; o risco probabilidade, à percepção da impunidade caso a fraude seja descoberta; e o risco aventura, ao prazer em viver o desafio de cumprir metas, de lutar pela organização, de progredir na carreira (que, não raro, é assumido com a anuência explícita ou implícita no superior hierárquico)", explica Santos. Segundo ele, se indivíduos cometem fraudes por influência das contingências, é possível não só prevenir, mas também predizer a formação do agente fraudador e encontrar estratégias que desenvolvam um programa de integridade inteligente.
Escândalos de corrupção afastam talentos de empresas
Os efeitos dos escândalos de corrupção e má gestão na reputação das empresas podem ir além do impacto imediato nos negócios e afastar talentos de todas as faixas de idade, de iniciantes no mercado de trabalho a executivos de alta gerência. Entre os mais jovens, uma pesquisa do site de recrutamento Vagas.com mostra que 81% deles deixariam de se candidatar a uma vaga se a empresa estiver envolvida em casos de corrupção, desvio de dinheiro e má gestão. E, para 89%, o sucesso de uma companhia está ligado aos valores que ela pratica. O levantamento foi realizado com 1.400 pessoas, a maioria na faixa de 26 anos, com Ensino Superior completo ou incompleto.
O objetivo da pesquisa era entender quais os valores que os colaboradores praticam no ambiente de trabalho e se estão em conformidade com os valores adotados pelas empresas. Dos respondentes, 53% são homens e 47%, mulheres, nível superior (56%) e mais da metade está desempregada (58%).
O coordenador da pesquisa, Raphael Urbano, destaca que, mesmo com o desemprego na casa de dois dígitos, a preocupação persiste entre os jovens. "Os jovens hoje não têm tempo de maturar o desenvolvimento. Se é um estagiário, ele quer ser gerente em três anos e, por isso, prefere escolher uma empresa que tenha valores claros", explica.
Para Urbano, a conduta corporativa das empresas tem gradativamente ganhado relevância junto aos profissionais. "As companhias que não se atentarem aos seus valores éticos e morais certamente perderão talentos. Os profissionais têm receio em ter suas carreiras vinculadas às empresas com condutas duvidosas", avalia.
Apesar desse receio, outro levantamento, elaborado pela Cia de Talentos, mostra que a Petrobras e a Odebrecht ainda estão entre as mais admiradas por quem está começando. De acordo com Maira Habimorad, CEO da empresa, os candidatos entendem que os problemas com a Lava Jato estão restritos a um grupo de pessoas. "A impressão que eles têm é que a Petrobras foi assaltada pelo governo e que a Odebrecht tinha que jogar o jogo." Já nos cargos de liderança, explica Maira, a preocupação é maior, pois é mais difícil o executivo ficar isento em caso de alguma irregularidade.
Clarissa Oliveira, sócia do Veirano Advogados, pondera que hoje poucas empresas têm o compliance como cultura. "O que a gente costuma ver é que elas só se estruturam depois que a polícia chega. Ela tem de provar que, apesar dos treinamentos e da capacitação, um grupo de pessoas decidiu agir em benefício próprio", diz.
A sócia de compliance do W. Faria Advogados, Alessandra Gonsales, destaca que as companhias precisam entender que o compliance serve para cuidar da reputação. "Na hora de preencher uma vaga antes ocupada por um executivo afastado por corrupção, a empresa vai ter de ser mais convincente e até oferecer salário maior."
Henrique Bessa, diretor da Michael Page, especializada em cargos de média e alta gerência, explica que a legislação brasileira dá brechas para casos de corrupção, porque não pune o mau funcionário. "Buscamos o candidatos só pelas referências. Quando ligamos para uma empresa em que ele trabalhou e ela diz que não pode falar, já desconfiamos que tenha um problema."
Alessandra defende um equilíbrio entre a proteção do funcionário e das empresas. "Quando as empresas são acusadas de lavagem de dinheiro, elas precisam adotar um procedimento de know your employees (conheça seu empregado), mas como fazer isso se a legislação não deixa?", questiona.
Respeito e ética estão entre os valores mais bem avaliados
A pesquisa da Vagas.com procurou conhecer quais são os valores mais considerados pelos profissionais na hora de se candidatar a uma vaga. Valorização humana (79%), respeito (78%) e ética (78%) estão entre os mais bem avaliados. Outros aspectos mencionados são comprometimento (71%), transparência (68%) e qualidade de vida (68%).
"Os profissionais estão considerando em primeiro plano os aspectos mais humanos em detrimento de outros relacionados aos negócios, como inovação e sustentabilidade", ressalta o coordenador da Vagas.com, Raphael Urbano.
Outro fator interessante que pode ser observado no levantamento é que 67% dos respondentes acreditam que as empresas que trabalham ou atuaram praticam os valores declarados ante 33% que não tiveram essa mesma percepção.
Fonte:- http://contadores.cnt.br/noticias/tecnicas/2016/07/27/compliance-cresceem-tempos-de-crise.html